QUANDO A CRIANÇA MENTE? COMO LIDAR E EDUCAR?
Nem sempre sabemos como lidar quando a criança mente. Inclusive, identificar quando é uma mentira vinculada ao desenvolvimento humano ou quando se relaciona à formação moral e ética. Nesse texto, iremos refletir a respeito e encontrar rotas educativas para o BEM EDUCAR. Para pais e professores.
Por: Sheyla Fontenele
6/30/2024
QUANDO A CRIANÇA MENTE? COMO LIDAR E EDUCAR?
Por Sheyla Fontenele
Sabe-se que, aos dois anos, 20% das crianças mentem. E esse número sobe para 50% aos três e quase 90% aos quatro anos. A fase mais 'mentirosa' da criança avança até quase os 12 anos. Ou seja, até o fim da infância, quando praticamente toda criança mente.
Esses dados são relativos às pesquisas realizadas pelo Dr. Kang Lee, do Instituto de Estudos Infantis da Universidade de Toronto, no Canadá, desde 2010, com cerca de 1.200 crianças com idades entre dois e 16 anos. Abaixo, na descrição, encontram-se essas referências para investigação.
Diante do exposto, surge a pergunta: então é normal mentir? As crianças sempre mentirão? A mentira é inata? Isso seria preocupante se não fosse pelo fato de que essas mentiras, entre aspas, não são exatamente aquelas que devem deixar pais e professores com a “orelha em pé”. O que se quer dizer é que existem mentiras que são fases na construção da moral e da ética do ser, enquanto outras, literalmente, deformam o caráter.
Educadores, família e professores precisam discernir uma situação da outra. Pois, quando a mentira se torna recorrente, daí é preocupante, pois, como diz a célebre frase, cuja autoria é incerta: “Semeie um pensamento, colha uma ação; semeie uma ação, colha um hábito; semeie um hábito, colha um caráter; semeie um caráter, colha um destino."
Agora, a pergunta é: FAMÍLIA ou PROFESSORES, sabem distinguir esses tipos de “mentira”? E ainda se pergunta: sabem o que fazer diante das situações das mentiras infantis? Em outras palavras, como educar crianças honestas?
É importante começar questionando: “O que é mentir para você?” A expressão vem do latim "mentiri" que significa "enganar, dizer uma falsidade", estar à margem da verdade.
Como visto, na infância, que vai dos 0 até aproximadamente 12 anos, existem pelo menos duas classes de mentira. Aquelas que são etapas do desenvolvimento humano e as outras, que anunciam o desvio do caráter.
Mentiras no desenvolvimento humano (0-12 anos)
Aquelas mentiras que se vinculam diretamente à imaginação podemos chamar de “ensaios infantis”. González Pecotche, criador da Pedagogia Logosófica, ensina que é exatamente na infância que a faculdade de imaginar se faz de ponte para a compreensão e adaptação do ser que chega à Terra ao mundo físico. Assim, uma criança de 3 anos imagina que tem um cachorro de estimação. Para ela, isso é uma verdade. Quando eu era criança, minha mãe relatou que, entre dois e três anos, tive um cachorrinho imaginário, e que andava para cima e para baixo com ele. Minha mãe reconhecia que aquela era “mentira”, mas que consistia em uma vivência lúdica infantil. Contou que costumava conversar com o tal cachorro e até dormia com ele. Brincava e dialogava, assim como fazia com minhas bonecas. Então, o que é educativo nesses casos? Bater de frente e dizer que não existe cachorro algum? Recomenda-se exatamente o que minha mãe fez, esperou a fase passar e assim foi. Certo dia, disse à minha mãe que o cachorro tinha ido embora. De fato, essas “mentirinhas” são, na realidade, parte da atividade do brincar da criança, assim como quando se inventa que se tem um superpoder.
Outro exemplo de mentiras ligadas ao desenvolvimento humano refere-se aos momentos em que a criança mente quando se pergunta a ela se entendeu algo. Ela diz que “sim”, mas, de fato, não percebeu a mensagem como um todo. Mente sem saber que está mentindo. Cabe, nesse sentido, caso a família ou a escola percebam, fazer uma repergunta, ou até mesmo explicar a situação para que a criança a compreenda.
Pode-se ainda identificar a mentira quando a criança vai até a caixa do brinquedo pegar um jogo, quando a mãe disse que não era mais hora de brincar. Ela ainda não consegue controlar o impulso. O mesmo ocorre quando deita para dormir, e o pai pergunta: - Já dormiu? E ela, da cama, responde:
- Já, pai!
Naturalmente, são mentiras que denotam que a criança ainda está construindo noções entre o que é certo e errado. E claro que cabem intervenções dialógicas e amorosas, para que ela perceba as noções de bem. É muito importante não incorrer em hipercorreções acompanhadas de gritos ou reclamações, achando que a criança se tornou uma mentirosa compulsiva. Tudo isso pode gerar temor, pensamentos e comportamentos de ansiedade.
Outra situação é colocar a culpa no outro, como quando diz que o cachorro derrubou o suco que ela derramou, ou ainda quando, ao esbarrar na ponta da mesa, queixa-se para a mãe “ela me bateu”... “Feia, feia, feia”. São situações que denotam que a criança ainda está construindo a noção da própria existência. A noção do ser que ela é. Nessa hora, cabe aos educadores mostrar que a mesa é inanimada e refletir acerca de quem bateu em quem.
Todos esses são comportamentos relativos ao desenvolvimento humano, revelando que a criança precisa de nossa ajuda para aprender a conviver e socializar.
Importante também dizer que, até os cinco/seis anos de idade, a criança AINDA está aprendendo o que é a mentira, o que significa MENTIR. São percepções que ainda estão se construindo. Crianças não sabem ainda a seriedade e as consequências de uma mentira. Elas estão em fase de aprendizagem. E isso precisa ser levado em conta.
É na segunda infância, dos seis aos 12 anos, que ela passa a identificar o que é mentira, o que é mentir. E em que passa a construir dentro de si um diálogo interno. Aquela conversa que todos temos conosco e que nos adverte sempre sobre os rumos que precisamos tomar.
Passemos à parte dois da conversa. Aquelas mentiras que são mesmo preocupantes. Por exemplo:
Quando uma criança de 5 anos exagera em suas conquistas para impressionar os amigos; quando mente para evitar um conflito com outra criança; quando, aos 6 anos, inventa desculpas para evitar tarefas ou responsabilidades; e quando, já aos 8, ela mente para proteger um segredo ou confidência de um adulto. É seu cúmplice. Há um ponto em comum em todas essas mentiras: o envolvimento da dimensão emocional. Quer dizer, a criança mente por se sentir insegura e quer impressionar os colegas; busca por aceitação; quer evitar conflitos e aborrecimentos e, por isso, foge de tarefas desagradáveis.
No fim das contas, todas essas situações dão a NÓS, pais e professores, uma DEVOLUTIVA. Isso mesmo, essas condutas são devolutivas de como NÓS temos conduzido a educação dessas crianças.
É importante identificar as nossas lacunas. Por que uma criança, já aos 5 anos, sente tanto a necessidade de exagerar em suas conquistas? Há indícios de que esteja sendo tratada como alguém que não erra, que é infalível, que é superpoderosa. A “princesinha da casa”. Então, essas situações é que precisam ser corrigidas, e não só as crianças, já que estão sendo estimuladas para manifestar esses comportamentos. Quando educadores colocam as crianças em evidência, a “personalidade” inflama e agradece. E provável é que, na escola, essa criança seja aquele aluno que sempre tira as melhores notas, aguardando sempre elogios da professora e que seja o seu trabalho aquele que vai para o mural da sala.
Em casa, será aquele filho que tem uma habilidade maior para certa área e a família dá sempre um destaque a essa condição, por vezes, esquecendo-se dos outros filhos. Naturalmente, as aptidões individuais precisam ser reconhecidas, mas é necessário que não se coloque a criança no trono, que mais adiante poderá se tornar um rei difícil de destronar. Um livro que se recomenda para tratar essa questão é “O Reizinho Mandão”, de Ruth Rocha.
Já como orientação pedagógica a pais e professores, recomenda-se que fiquem atentos a si mesmos, de modo a identificar se, mesmo sem querer, não estão alimentando esse ou aquele tipo de comportamento da criança e do jovem. Como, por exemplo, o caso da criança que vê um familiar ao telefone desculpando-se por sua falta no trabalho, e logo, a criança estará reproduzindo esse modelo na escola, frente às suas tarefas de casa.
Existem ainda mentiras à margem do desenvolvimento humano e que provavelmente são indicativos de que se precisa de ajuda externa, como no caso de mentiras compulsivas; dificuldades de distinguir entre a realidade e a fantasia; comportamentos antissociais ou agressivos. São casos extremos que vão envolver a esfera da saúde, razão pela qual não é motivo de nossa abordagem.
Mas orienta-se que pais e professores fiquem atentos àquelas situações que fogem da alçada da esfera da educação, porque indicam que outras rotas precisam ser buscadas.
Agora vamos tratar de uma rota educativa, que chamaremos de “Sabedoria de Mãe”.
Minha mãe teve 5 filhos, e eu sou a mais velha. Ela costumava deixar uma moedinha em cima da mesa de centro da sala e colocava para todos uma regra básica: vou deixar a moeda aqui e não é para nenhum de vocês mexer. Nas primeiras vezes, os filhos tocavam na moeda, olhavam e ficavam intrigados sobre o porquê daquela moeda ali ficar por vários dias. O fato é que minha mãe acompanhava tudo, mas nunca perguntava se tínhamos mexido, porque sabia que, em um primeiro momento, eram movidos pela curiosidade, e não pela intenção de mentir ou desobedecer. Mas foi como adulta que descobri que a MOEDA era a experiência de minha mãe para forjar em nós a resistência ao pensamento de pegar a moeda, e logo, o valor da honestidade.
Com o tempo, percebi, naturalmente, que a moeda nada tinha de especial, e até valia muito pouco. Mas estava ali por semanas e semanas com um objetivo, o de simplesmente tornar as pessoas melhores.
Eis um bom teste para ajudar na formação da honestidade. Fica a dica.
Bem, a grande verdade é que precisamos criar uma cultura educativa baseada na verdade. Investigar a nós mesmos para saber até onde nós temos implementado a mentira como solução para nossos problemas. Será que ainda damos desculpas para não ir àquela festa? Até que ponto faltamos com a verdade para proteger alguém que nos é caro? E sobre a omissão? Decerto, omitir não é o mesmo que mentir, mas são, diria, “parentes bem próximos”. Já que omitir não é dizer nada falso, mas é ESCONDER parte de uma verdade. Como no caso da criança que não menciona que quebrou o vidro de um carro porque ninguém viu.
No todo, educar uma criança para que ela não minta vai além da correção da mentira. Requer um esforço contínuo nosso, para que sejamos exemplos da educação que pretendemos forjar. E, ao fazer isso, pais e professores podem ajudar as crianças a desenvolver um caráter honesto e a valorizar a verdade ao longo de suas vidas.
REFERÊNCIAS:
LOGOSOFIA. Livros da Ciência Logosófica. São Paulo: Editora Logosófica, 2024. Disponível em: https://logosofia.org.br/livros-e-artigos-do-autor/ Acesso em: 22 jun. 2024.
PERIN, Thiago. Crianças que mentem viram adultos bem sucedidos. Disponível em: https://super.abril.com.br/coluna/cienciamaluca/criancas-que-mentem-viram-adultos-bem-sucedidos Acesso em: 22 jun. 2024.
LEE, Kang; TALWAR, Victoria. Social and cognitive correlates of children’s lying behavior. Child Development, v. 79, n. 4, p. 866-881, jul./ago. 2008. PublicMed Central: 2012. Disponível em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC3483871/. Acesso em: 22 jun. 2024.



